A SUCESSORA X REBECCA - PLÁGIO OU COINCIDÊNCIA?
Uma jovem casa-se com um viúvo, atormentado pelas lembranças de sua primeira esposa, já falecida. Essa é a premissa de "A Sucessora", romance escrito por Carolina Nabuco, lançado em 1934. Carolina acabou traduzindo o romance, na esperança de publicá-lo fora do Brasil. O enviou para os Estados Unidos, mas também desejou que o livro fosse publicado na Inglaterra. Pediu para um agente literário fazer contatos para a publicação. Não obteve resposta, mas certo tempo depois, teve uma surpresa desagradável ao ler "Rebecca", escrito por Daphne du Maurier e ver elementos de sua obra nele,
O primeiro livro escrito por Carolina, foi uma biografia sobre seu pai, o escritor e diplomata Joaquim Nabuco, em 1929. Outra obra sua famosa é "Chamas e Cinzas", publicada em 1947, ganhando uma adaptação em forma de telenovela em 1987, com o nome de "Bambolê".
"Rebecca", foi publicado em 1938 e continha os mesmos elementos de "A Sucessora": a atmosfera de mistério e a paranoia e insegurança da protagonista perante à primeira esposa falecida. Em 1940, o livro foi adaptado para o cinema, com direção de Alfred Hitchcock, conquistando dois prêmios: melhor filme e melhor fotografia, sendo indicado a outras nove categorias. Com a publicação e adaptação de "Rebecca", logo chegou a conhecimento público, a existência de "A Sucessora" e as comparações foram inevitáveis, a ponto do New York Times Book Review, publicar um artigo comparando os dois livros.
Aqui no Brasil, o caso rendeu algumas manchetes de jornais. O jornal Dom Casmurro, publicou em 1940, o seguinte trecho:
"Como se vê, parece que chegou a hora das mulheres, na literatura, O fato é que o romance de Daphne de Maurier (está em plena discussão a questão do plágio sobre o livro de Dona Carolina Nabuco, ilustre autora de "A Sucessora", aparecido quatro anos antes) é um livro com todos os sinais, com os sinais mais evidentes, do verdadeiro êxito: grandeza, riqueza de ação, movimento, e questões humanas veiculadas e discutidas em seu seio."
O Jornal A Manhã, publicou, em 1942, o artigo traduzido do New York Times Book Review. Seguem alguns trechos do artigo:
"O artigo da jornalista norte-americana Frances R. Grant, que hoje traduzimos para os nossos leitores, foi publicado no suplemento do dia 16 de novembro de "New York Times". Ele se ocupa de um "caso" literário ainda muito vivo na memória de quantos assistiram, no ano passado, a acusação de plágio feita no Brasil pela sra. Carolina Nabuco relativamente à publicação de um novo romance da escritora inglesa Daphne du Maurier, cuja "Rebecca" não logrou apenas uma versão portuguesa, mas também o espetáculo de um filme cinematográfico, largamente exibido entre nós. O assunto ainda permanece motivo de curiosidade, como se vê, tanto mais agora que o romance brasileiro "A Sucessora", da Sra. Carolina Nabuco, além de uma reedição no Brasil, já apareceu em tradução espanhola no Chile, pela editora Zig-Zag, e está em vésperas de ser lançada a sua versão em inglês, nos Estados Unidos."
"O braço da coincidência literária é comprido - mas será ele tão comprido, pergunta o mundo literário do Brasil, capaz de envolver a "Rebecca" de Daphne du Maurier e "A Sucessora" de Carolina Nabuco? O assunto que está sendo vivamente discutido entre os intelectuais brasileiros, é o misterioso paralelo existente entre "A Sucessora" e "Rebecca". Paralelo que, se coincidente, toca as esferas do fenômeno. "A Sucessora" um romance colocado na paisagem brasileira, apareceu em 1934, escrito por Carolina Nabuco, e foi publicado na Livraria José Olímplo, em São Paulo. Nabuco é um nome que impressiona no Brasil. Joaquim Nabuco, o pai de Carolina, foi uma das grandes figuras do século XIX, "leader" do movimento elonista no seu país, aboli parlamentar de renome internacional e um dos grandes diplomatas do Brasil nessa qualidade é que ele é também conhecido nos Estados Unidos"
"Durante essa longa peregrinação da sua obra - que levou uns cinco anos, a Sra. Nabuco acabou recebendo de uma amiga uma carta: "Estou lendo "Rebecca", mas penso estar lendo A Sucessora". Ouvi dizer que Miss du Maurier escreveu o seu livro em noventa dias". Foi essa a primeira indicação que a sra. Carolina Nabuco recebeu da extraordinária semelhança entre o seu romance e "Rebecca". Em 1940, porem um ano após a sua publicação em inglês - a própria "Rebecca" chegou ao Brasil, em versão portuguesa. A indignação entre os críticos literários brasileiros foi simultânea e imediata indignação que cresceu ainda mais com a exibição da fita, e que continua, embora com uma veemência mais amortecida. Os críticos literários e a imprensa brasileira demonstraram em várias ocasiões os paralelos em enredo, texto, 'dramatis personae' e muitas vezes até mesmo a linguagem entre as duas obras e o sentimento patriótico do Brasil se enfureceu com essas semelhanças."
"São tão numerosos os paralelos que quase podemos encontrá-los a cada página: a coleção de escovas que ambas exibem com orgulho diante da cunhada, até as receitas de arte culinária das duas mulheres mortas. Um retrato desempenha nos dois livros um papel fundamental: na "A Sucessora" é o retrato Alice, a morta, que assume importância de pessoa viva perante a sua sucessora. Em "Rebecca" é o retrato de Carolina de Winters que prepara a forte experiência da heroína no baile de máscaras."
Carolina foi procurada por agentes da United Artists para assinar um termo, alegando que as histórias idênticas foram apenas uma coincidência, mediante a um acordo financeiro, porém ela recusou-se. Uma das várias especulações por trás da coincidência dos dois livros é que o agente literário possa ter passado a história para Daphne, que leu e criou sua própria versão. Quando a história começou a ganhar força e as comparações tornaram-se inevitáveis, Daphne logo fez questão de dizer que nunca houvera falar sobre Carolina e sobre "A Sucessora".
Daphne, publicou seu primeiro romance em 1931 e escreveu mais de vinte obras, algumas sendo adaptadas para o cinema. Alfred Hitchcock, ainda dirigiu mais dois filmes baseados em suas obras: "A Estalagem Maldita" (Jamaica Inn) e o conto "Os Pássaros" (The Birds). É também de sua autoria, o livro "Minha Prima Raquel" (My Cousin Rachel), adaptado para o cinema duas vezes, a primeira com Olivia de Havilland no papel principal.
"Rebecca", não seria a única obra da autora a ser acusada de plágio, "Os Pássaros" também foi cercada por polêmicas. O autor Frank Baker, acreditava que a autoria havia plagiado seu romance também chamado "Os Pássaros", escrito em 1936. Novamente a suspeita de que um agente literário possa ter passado a obra para a escritora ler e ela depois criou sua versão da história, mas com os elementos principais também presentes. Daphne publicou o livro em 1952 e em 1963 uma versão cinematográfica dirigida por Hitchcock foi lançada.
Um tempo após o lançamento de "Rebecca", as polêmicas de plágio foram esquecidas e o assunto foi dado como encerrado, mas em 1978, Manoel Carlos adaptou, em formato de telenovela, o romance de Carolina. O público, que não conhecia a obra da autora brasileira, o associou ao filme de Hitchcock. Novamente a polêmica voltou aos holofotes, mas desta vez com um saldo positivo: as pessoas se interessaram em conhecer a obra da escritora brasileira e a partir de então, o livro não foi mais esquecido e até hoje está presente em diversas livrarias e estantes de leitores.
Carolina Nabuco - Daphne Du Maurier |
FONTES
https://www.publishnews.com.br/materias/2019/02/20/foi-plagio-ou-nao-foi-plagio-mr.-hitchcock
https://veja.abril.com.br/cultura/daphne-du-maurier-a-autora-de-rebecca-que-foi-de-hitchcock-a-netflix
Trechos dos artigos de época retirados do site:
http://memoria.bn.br