CINEMATECA - FELICIDADE DE MENTIRA
Pobres passando-se por ricos é um dos enredos mais batidos do cinema, porém torna-se fascinante quando uma habilidosa diretora pega uma história que poderia ser mais uma qualquer e consegue transformá-la em algo diferente do que já foi mostrado e é isso que podemos ver em "Felicidade de Mentira" (The Bride Wore Red) dirigido por Dorothy Arzner.
"Felicidade de Mentira", aborda a história clássica da gata borralheira transformada em uma elegante dama, mas o que a diferencia das demais é a forma como ela é conduzida, além da forma como a protagonista é retratada. Não é pelo fato da protagonista ser pobre que ela necessariamente precisa agir com inferioridade e é isso que torna o filme atraente, justamente por trazer uma mocinha que no fundo é uma anti-heroína, indo contra tudo o que era mostrado nos filmes de Hollywood na época.
Em uma noite, um entediado conde chamado Armalia (George Zucco), após uma conversa filosófica com o amigo Rudi Pal (Robert Young), onde discutem o que separa e difere os ricos dos pobres, decide pegar a cantora de um cabaré e transformá-la em uma dama e deixá-la viver por duas semanas entre os ricos em um hotel. A escolhida é a ambiciosa Anni (Joan Crawford) que vê na oportunidade a chance perfeita de ascender socialmente.
Quando Anni chega à estação de trem, ela conhece Giulio (Franchot Tone), carteiro local, um homem simplório e sem grandes ambições. Ele a leva para o hotel e após isso torna-se presença constante em sua vida. No hotel, Anni vive sob a identidade de Anne Vivaldi, filha de um oficial, lá ela também reencontra uma antiga companheira de trabalho, Maria (Mary Philips) que torna-se sua cúmplice no plano de enriquecer.
No mesmo hotel, está Rudi que não a conheceu no cabaré, portanto não sabe do seu segredo. ele está acompanhado de sua noiva Maddalena (Lynne Carver), o pai dela e a Condessa di Meina (Billie Burke). Rudi encanta-se por Anni, mesmo estando comprometido e isso desagrada a Condessa que de cara nutre uma antipatia por Anni e sempre a alfineta de forma indireta. Ao perceber o interesse de Rudi, Anni decide encorajá-lo para conseguir casar-se com ele, mas ela acaba nutrindo um sentimento conflituoso pelo simplório Giulio que é o oposto de tudo o que ela ambiciona naquele momento.
Mesmo sendo a mocinha e a protagonista, Anni não é de longe uma heroína sonhadora ou ingênua, mesmo nas entrelinhas o filme mostra que ela é uma prostituta no cabaré em que trabalha, por isso ela vê nessa chance, a oportunidade de casar-se com um homem rico e esquecer seu passado. A sua ambição e às vezes a falta de um sentimento humano, fazem com que ela torne-se uma anti-heroína. Seu desprezo por Giulio é causado por ele ser o que ela no fundo sempre quis, mas como o dinheiro manda no mundo, ela procura em um homem a segurança financeira, em primeiro lugar.
Como em todo filme de Dorothy, a rivalidade feminina não é influenciada, com certeza vocês estão cansados de ler isso em meus textos sobre os filmes dirigidos por ela que escrevo, mas é uma das características do cinema da diretora e em cada filme essa característica é abordada de forma diferente. A única pedra no sapato de Anni é a Condessa que por ser rica e esnobe faz questão de alfinetá-la e a Condessa de longe percebe que Anni não é o que aparenta, mas mesmo assim não é um embate forte, apenas um tempero para a história. A relação de Anni com Maddalena também é abordada de forma diferente, mesmo Anni envolvendo-se explicitamente com seu noivo, não há conflitos entre as duas personagens, elas conseguem se entender sem a necessidade de conflitos.
Há uma cena interessante em que Anni diz a Rudi que ele é o homem comprometido e que isso é um problema que ele que tem que resolver e não ela, dificilmente veríamos cenas como essa nos filmes da época. Há outra cena interessante onde suicídio é mencionado de forma implícita e Anni diz que isso é um ato de coragem e não de covardia. Mesmo produzido sob as asas da censura é um filme que tentou ousar quando lhe era permitido. O destaque filme está obviamente em Joan Crawford, mesmo que o papel não lhe peça muito, ela está em um dos seus melhores momentos, tanto de atuação, quanto de beleza e Dorothy Arzner ciente de que estava diante de um dos rostos mais fascinantes do cinema, conseguiu capturar tudo isso.
O vestido vermelho, foi confeccionado por Adrian, famoso figurinista da MGM. Ele vestiu Joan Crawford, Norma Shearer, Greta Garbo, Katharine Hepburn, Jean Harlow e diversas outras estrelas do estúdio. Joan seria uma das atrizes que ele mais vestiria, ao todo 28 filmes estrelados por ela, contam com o figurino assinado por ele.
Inicialmente, Joan Crawford não foi a primeira escolha para o papel: Luise Rainer havia sido a escolhida, porém Louis B. Mayer não havia gostado da forma como o roteiro do filme fora elaborado dando ênfase à prostituição. Ele então pediu uma reformulação onde ficasse evidente que a história seria uma versão sombria da história de Cinderela, mas com um final clássico e feliz. Com a desistência de Luise, Joan assumiu o papel. Este seria o último dos sete filmes estrelados por ela e por Franchot Tone, seu marido na época.
"Felicidade de Mentira" está presente na caixa que traz 4 filmes dirigidos por Dorothy Arzner e que conta com a minha curadoria. Essa caixa foi lançada pela Obras-Primas do Cinema. Clique na foto abaixo para comprar ou para maiores informações: