Hoje considerado perdido,"Inconfidência Mineira" foi produzido para tornar-se um dos mais importantes filmes do cinema brasileiro. Retratando um momento histórico vivido no país, a expectativa era de que fosse um sucesso arrebatador, mas, infelizmente, isso não ocorreu. Problemas em sua realização, somados à recepção fria do público, fizeram com que o filme fracassasse em bilheteria e crítica, causando a frustração de sua realizadora, Carmen Santos. Posteriormente, a perda de seus negativos, impossibilitou que futuras gerações pudessem conferir esse trabalho e, possivelmente, adquirir um novo olhar sobre a obra.
"Inconfidência Mineira" foi lançado em 1948 e buscava retratar, de forma épica e idealizada, os acontecimentos que levaram à morte de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, enforcado em Vila Rica no século XVIII por sua participação no movimento da Inconfidência Mineira. O filme, ambientado em um dos episódios mais marcantes da história brasileira, foi concebido como uma homenagem aos ideais de liberdade e independência que motivaram os inconfidentes.
O projeto nasceu do sonho de Carmen Santos, que assumiu não apenas a produção, mas também a direção, o roteiro e a atuação no filme, interpretando Bárbara Heliodora. O roteiro teve como base a história escrita por Henrique Pongetti. A produção teve início em 1937 e as filmagens começaram em 1941. O processo, no entanto, foi longo e complicado, atravessando mais de uma década até a finalização do filme. As filmagens ocorreram em São João D’El Rey, com cenas gravadas na própria casa onde nasceu Bárbara Heliodora, embora uma rua de Vila Rica tenha sido recriada nos estúdios da Brasil Vita Filmes. O cuidado com a ambientação histórica contou com o apoio de nomes como Affonso de Taunay, Hugo Adami, Lúcio Costa e o INCE, na época dirigido por Roquette Pinto.
Mesmo com esse nível de detalhamento e dedicação, o caminho de "Inconfidência Mineira" até as telas foi repleto de percalços. A estreia foi tumultuada por conflitos com o exibidor Luiz Severiano Ribeiro, que, segundo Carmen, exigiu porcentagens abusivas e sabotou suas negociações com a Metro. O filme acabou lançado por outro grupo exibidor, mas Severiano Ribeiro respondeu à concorrência estreando, na mesma semana, "Asas do Brasil", um filme patriótico com forte apoio da Atlântida. A própria Carmen denunciou nos jornais o que chamou de “monopólio estrangeiro” e acusou o grupo de ter coberto os cartazes de seu filme com os do concorrente. Curiosamente, anos mais tarde, o último longa produzido por ela — "O Rei do Samba", de Luiz de Barros — foi distribuído justamente por uma empresa do grupo de Severiano Ribeiro.
A recepção crítica de "Inconfidência Mineira" também foi majoritariamente negativa. Moniz Viana, no Correio da Manhã, apontou problemas de continuidade, falhas históricas e uma montagem desconexa. Pedro Lima, do Diário da Noite, foi ainda mais duro, afirmando que várias cenas começavam com os atores visivelmente parados, como se aguardassem uma ordem para atuar, e que o filme precisava de uma revisão final. Mais do que isso, ele sugeria que Carmen se afastasse da frente das câmeras, pois, segundo ele, ela não aceitava ser dirigida por ninguém e não se deixava moldar ao papel que deveria representar. Essa crítica deixa entrever as dificuldades enfrentadas por uma mulher à frente de um projeto grandioso num meio predominantemente masculino, onde o controle criativo e a autoridade no set eram tradicionalmente reservados a homens. A postura firme de Carmen foi lida, por alguns, como intransigência — uma percepção que dificilmente teria sido a mesma se o diretor fosse homem.
Além dessas críticas à realização, houve também queixas quanto à trilha sonora, composta inicialmente por Francisco Braga, mas depois complementada com trechos de Beethoven. As salas do circuito exibidor também foram criticadas — Nilo Brandão, em O Imparcial, comentou que os cinemas onde o filme estreou em São Paulo estavam entre os mais pobres da cidade.
A exceção no coro de críticas veio de Fred Lee, em O Globo, que viu no filme uma das principais realizações do cinema nacional, elogiando o tema e o cuidado técnico. Carmen respondeu publicamente às acusações que o filme sofreu, denunciando o que chamava de perseguição ao cinema nacional e aos que, como ela, ousavam enfrentar os interesses de uma “verdadeira camarorra”. Ainda assim, o prejuízo foi inevitável. Em São Paulo, o filme chegou a ser exibido em programa duplo com "Ali Babá e os 40 Ladrões", e a produtora recebeu meros 2 contos e 500 mil réis pela programação.
No elenco, além da própria Carmen Santos, estavam Rodolfo Mayer como Tiradentes, Roberto Lupo como Domingos Vidal de Barbosa Lage e Oswaldo Louzada interpretando Inácio José de Alvarenga Peixoto. Apesar do fracasso inicial e da perda dos negativos, "Inconfidência Mineira" ainda hoje é lembrado como uma tentativa ousada de transformar em cinema a história do Brasil — e como símbolo da coragem de uma mulher que enfrentou o sistema para realizar sua visão artística.
Materiais e críticas da época
https://memoria.bn.gov.br
Postar um comentário
Obrigado por comentar!!!