CINEMATECA - ONDE ESTÃO MINHAS CRIANÇAS?

Lois Weber foi considerada uma das mais importantes cineastas do cinema mudo, chegando a ser comparada com D.W. Griffith, foi também a diretora mais bem paga desse período. Curiosamente, seus filmes eram críticas sociais, temática que poderia repelir o público que naquela época, com a novidade que era o cinema, buscava mais fantasia do que realidade nos filmes que eram exibidos. Com grande talento, sensibilidade e consciência de classe, Lois Weber conseguia fazer um cinema realista, mas que de certa forma acabava atraindo o interesse do público e gerava discussões. Mesmo tendo tudo para fracassar por expor a realidade e incomodar, seus filmes faziam bastante sucesso e ela ao lado de seu marido Phillips Smalley estavam sempre no topo das bilheterias. "Onde Estão Minhas Crianças?" (Where Are My Children?) produzido em 1916, talvez seja seu filme mais complexo, pois fala sobre métodos contraceptivos, aborto e de forma inconsciente sobre o papel de reprodutora da mulher na sociedade. 

No protagonismo do filme há um casal (na vida real, pais do ator Tyrone Power) que vive um dilema: o homem quer ser pai, enquanto a mulher não. Ele é um bem-sucedido promotor público e ela a dona de casa perfeita. Por não ceder às vontades do marido, ela é vista como egoísta e ele como uma vítima (às vezes ele parece uma criança que quer muito um brinquedo). Um fator que talvez Lois Weber tenha trazido inconscientemente para discussão é o papel de reprodutora que a mulher sempre teve na sociedade. Pelo menos a minha impressão foi que Lois Weber sem querer levantou uma interessante discussão: e se o contrário acontecesse: se o homem não quisesse ter filhos e a mulher sim, será que o homem seria visto como egoísta e a mulher como vítima? Acredito que não e acho esse fator fantástico em um filme de 1916.

Outra história que se desenvolve durante o filme é o envolvimento do irmão da protagonista com a filha da empregada, onde ela acaba engravidando e ele não quer de forma alguma assumir a criança, primeiro por irresponsabilidade e segundo pela diferença social, esse segundo fator sempre esteve presente nos filmes de Lois Weber, ela sempre fazia questão de debater em suas obras as diferenças de classes, mesmo bem-nascida e com uma excelente posição social, ela possuía consciência de classe e sabia que poderia através do seu trabalho debater essas questões e trazer reflexões para o público.

Como o rapaz não quer de forma alguma assumir a paternidade da criança, há apenas uma solução: o aborto. O aborto é feito, porém a moça não consegue sobreviver ao procedimento que não foi feito corretamente. A história acaba ganhando conhecimento geral e causando um mal-estar entre patroa e empregada e mais uma vez a diferença de classes é exposta. Com esse escândalo, o médico é preso e uma rede composta por mulheres que fizeram aborto é descoberta e entre elas, a esposa do promotor. Quando a verdade é exposta, o casamento deles entra em crise com ele acusando-a pelos abortos que ela cometeu e a questiona: "Onde Estão Minhas Crianças?".

Esse é um dos trabalhos que considero complexos, pelo fato de Lois Weber ao mesmo tempo conscientizar as pessoas dos métodos contraceptivos, condenar o aborto. Ela era uma mulher bastante religiosa e isso também pode ser visto em sua obra. Ela também critica o fato do aborto ser uma exclusividade das mulheres ricas, mesmo o condenando. Antes desse filme, qualquer assunto sobre método contraceptivo era considerado tabu e muitas mulheres lutavam pelo direito de não engravidarem e como sempre a responsabilidade contraceptiva caía sobre elas.

No próprio filme, Lois Weber coloca a culpa do aborto nas mulheres quando as mostra sendo "assombradas" por crianças vestidas como anjos em sobreposição de tela, que simbolizavam os abortos cometidos. Os homens eram isentados dessa responsabilidade e voltando à trama do irmão da protagonista, mesmo após todo o ocorrido, ele era tratado apenas como um "garoto". Devemos salientar que Lois Weber foi uma pioneira e feminista que derrubou diversas barreiras, mas que possuía seus próprios pensamentos arcaicos que eram fruto da época que viveu e não merece de forma alguma qualquer tipo de cancelamento, mas podemos pegar esses fatores e debatermos e tirar algo de positivo de tudo isso. 

O filme é baseado em um caso de escândalo envolvendo Margaret Sanger, famosa ativista de controle de natalidade, escritora e enfermeira. Ela abriu a primeira clínica de controle de natalidade nos EUA,  chegou a ser processada por causa dos seus escritos e passou um tempo exilada na Grã-Bretanha. Seus esforços e materiais escritos ajudaram diversos casos judiciais a legalizar a contracepção nos EUA. Por sua visão, muitos pensavam que ela era favorável ao aborto, porém ela não o era. Ela também era uma forte apoiadora da eugenia e foi duramente criticada por isso. Ela considerava os métodos contraceptivos a única maneira de evitar um aborto. O filme foi escrito por Lucy Payton , Franklin Hall, Lois Weber e Phillips Smalley, embora no filme não tenha créditos de direção, ele foi dirigido por Weber e seu marido na época, Smalley.

Mesmo tocando em assuntos espinhosos, o filme fez grande sucesso, mas foi censurado e banido em diversos países. No ano seguinte, Weber e Smalley produziriam mais um filme com a temática: The Hand That Rocks the Cradle (A Mão que Balança o Berço), onde eles interpretam um casal ativista que faz campanha a favor de educação sexual e planejamento familiar. O filme acabou fracassando e Weber chegou a declarar que não ficou satisfeita com o resultado final, hoje é considerado um filme perdido. 



"Onde estão minhas crianças", encontra-se na caixa As Pioneiras do Cinema, que conta com minha curadoria e de Thiago Alves.



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