Certa vez, em uma entrevista ela disse: "Eu sabia que, se continuasse a aparecer em filmes medíocres, não teria nenhuma carreira pela qual valesse a pena lutar". Essa pequena frase, resume a grandiosidade de Bette Davis e também nos dá uma pequena noção de como foi difícil uma mulher como ela, manter-se firme em um regime amplamente machista e sexista, como era em Hollywood, na Era de Ouro.
A paixão em se tornar atriz, aconteceu após Bette assistir a peça "The Wild Duck", estrelada por Peg Entwistle, a trágica atriz que se suicidou nos letreiros de Hollywood. Após fazer diversos cursos de interpretação e estrelar algumas peças teatrais, Bette chega em Hollywood em 1930, como contratada do estúdio Universal. Bette não possuía uma beleza compatível com as estrelas de Hollywood daquela época. Ela possuía olhos enormes que davam a impressão de que poderiam devorar a tudo e a todos ao seu redor. Certa vez lhe disseram que ela não era bonita e isso a marcou para sempre: a partir de então, ciente de que não venceria em Hollywood pela beleza, decidiu então vencer pelo talento.
Como contratada da Universal, estrelou diversos filmes sem conteúdo e que lhe frustravam. O próprio estúdio não botava fé na recém-contratada, chegando a emprestá-la para diversos estúdios concorrentes. Após o término de seu contrato com a Universal, totalmente desiludida, decide ir embora de Hollywood. Foi então que recebeu um inesperado convite de George Aliss, seu antigo professor de teatro, que necessitava de uma jovem atriz para o filme "The Man Who Played God" de 1932.
Com "The Man Who Played God", assina seu contrato com a Warner, estúdio que seria futuramente o seu palácio, mas inicialmente, a Warner também não botava fé em Bette. A sorte de Bette mudou, quando ela soube que o livro "Escravos do Desejo" (Of Human Bondage), estava sendo cotado para uma versão cinematográfica. A personagem que Bette queria fazer era a ambiciosa garçonete Mildred.
A personagem era polêmica e diversas atrizes haviam recusado o papel. Mas para Bette isso seria um grande desafio, porém Jack Warner não queria que ela fizesse o filme por dois motivos: o primeiro por ser em outro estúdio (RKO) e o segundo pela personagem ter uma reputação nada convencional. Nesse embate, ela acabou vencendo, mas amargou uma sabotagem que lhe impediu de ser indicada ao Oscar. Jack fez de tudo para que sua estrela não fosse indicada pelo papel e conseguiu, porém o júri achou tal atitude suja e votou em Bette, mesmo ela não estando entre as candidatas oficiais. Mesmo assim, ela acabou perdendo.
Perder o Oscar ao qual nem havia sido indicada oficialmente, não foi de fato uma coisa ruim para Bette. Seu desempenho e sua coragem foram bastante elogiados entre os críticos de cinema e as pessoas passaram a se interessar por ela. Para compensar o estrago anterior, Jack ofereceu para ela o papel da autodestrutiva Joyce em "Perigosa" (Dangerous). Dessa vez, ela foi indicada e venceu o Oscar na categoria de Melhor Atriz. Após fazer "A Floresta Petrificada" (The Petrified Forest), Bette sentiu que os papéis medíocres estavam voltando. Reconhecendo seu potencial, decidiu brigar diretamente com Jack Warner. Tal atitude foi vista como uma espécie de "suicídio artístico" já que anos antes Kay Francis, a então "rainha da Warner", decidiu fazer o mesmo e acabou sendo sabotada pelo resto de sua carreira como atriz.
Bette decidiu abandonar a Warner antes do término de seu contrato e foi para a Inglaterra fazer dois filmes. Tal atitude deixou Jack Warner possesso de ódio e os dois foram para a corte. Como era de se esperar, ela perdeu a batalha e foi bastante ridicularizada tanto na audiência, quanto pela imprensa. Bette acabou não fazendo os dois filmes na Inglaterra e teve que retornar para a Warner e cumprir o seu contrato. Diferente de Kay Francis, Bette teve sorte. Sua atitude acabou rendendo um pouco de respeito de Warner e a partir de então, ela passou a ter uma boa fase de ótimos papéis.
O primeiro papel de Bette após a briga com Jack Warner, foi o da prostituta Mary Dwight em "Mulher Marcada" (Marked Woman), considerada uma de suas melhores atuações nesse período. No filme, a prostituta decide enfrentar o gângster local, após saber que ele tem ligação com a morte de sua irmã. Por sua coragem, Mary acaba sendo capturada pelos capangas do gângster e tem seu rosto desfigurado, uma forma de intimidá-la, já que um dos conceitos impostos pela sociedade é o que o rosto de uma mulher é o seu cartão de visitas, porém, Mary acaba tendo mais forças ainda para depôr contra o gângster e colocá-lo atrás das grades.
Em 1938, após perder o papel de Scarlet O'Hara em "E o Vento Levou" (Gone With the Wind), Bette estrelou "Jezebel". No filme, ela interpreta a mimada Julie Marsden, que acaba perdendo o amor de sua vida por causa de um dos seus caprichos. A personagem acaba se redimindo e por sua interpretação, Bette ganhou seu segundo Oscar.
Até o final da década de 40, Bette Davis era um dos maiores e mais lucrativos nomes dos estúdios Warner. Sempre perfeccionista e tempestuosa, arrumava conflitos com diretores, atores e até mesmo com os executivos do estúdio, com isso acabou adquirindo a fama de ser uma "atriz difícil". Foi indicada ao Oscar por cinco anos consecutivos, de 1938 a 1942, sendo uma das recordistas de indicações seguidas ao lado de Greer Garson.
Ela disse certa vez que um filme feito em clima de paz nos bastidores, sempre fracassava, então a maioria dos seus filmes, contavam com certas tensões por trás das câmeras, chegando até a causar prejuízos no orçamento de produção. Ao ver que Bette poderia ser mais gigante do que era, Warner tomou uma atitude bem drástica para "domá-la": contratou Joan Crawford, sua mais famosa rival. E Joan Crawford, chegou no estúdio, ganhando um Oscar por "Mildred Pierce", filme que dizem que Bette havia recusado.
Mesmo com Joan Crawford como ameaça dentro do estúdio, Bette não se deixou abater. Ainda chegou a protagonizar alguns sucessos no estúdio e chegou a produzir "Uma Vida Roubada" (A Stolen Life). Como era de esperar, "Uma Vida Roubada" foi um fracasso de crítica, mas o motivo estava além do filme: Jack Warner pouco se importou em divulgar o filme, sua intenção era realmente que o filme de alguma forma fracassasse e que Bette desistisse de produzir filmes. E ele conseguiu isso. Naquela época, era tabu atrizes produzirem seus próprios filmes e praticamente todas as atrizes que o fizeram, fracassaram, pois enfrentavam um poderoso esquema liderado pelos chefões de estúdio. Mesmo não fazendo sucesso entre os críticos, o filme lucrou em torno de dois milhões de dólares.
Durante a segunda metade da década de 40, o desgaste entre Bette e Jack Warner, tornou-se mais evidente. Os roteiros fracos e os papéis medíocres retornaram. O ápice do desgosto ocorreu com "A Filha de Satanás" (Beyond the Forest) de 1949, filme que Bette literalmente fez obrigada e ela não fez questão alguma em esconder isso. Sua própria atuação no filme entrega isso. Antes de fazer o filme, ela havia assinado um contrato para fazer quatro filmes e havia pedido para Jack Warner, poder de escolha de roteiro. Warner recusou o pedido dela e lhe impôs que fizesse o filme. "A Filha de Satanás" era um desastre esperado. Foi um fracasso de crítica e bilheteria e Bette amargou diversas críticas recheadas de sarcasmo e ironias. Cansada do regime autoritário de Warner, ela pediu rescisão do contrato e foi prontamente atendida.
Em 1950 recebeu em mãos o roteiro de "A Malvada" (All About Eve), que consideraria o melhor roteiro que já havia lido em sua vida. O papel da temperamental atriz de teatro Margo Channing, estava previsto para Claudette Colbert, porém após esta sofrer um acidente e ficar impossibilitada de desempenha-lo, o nome de Bette foi considerado. Bette chegou a ser indicada ao Oscar, porém acabou perdendo para Judy Holliday em "Nascida Ontem", mas acabou ganhando um prêmio no Festival de Cannes.
Mesmo não tendo mais Bette e nem Joan em seu cast de estrelas, Jack Warner queria realizar o sonho de reunir as duas rivais em uma produção e isso aconteceu com "O que Terá Acontecido à Baby Jane" (What Ever Happended to Baby Jane?) de 1962. Era nítido que a intenção de Warner era de além de ridicularizar as duas atrizes, também promover um circo midiático em torno da rivalidade das duas. O circo midiático Warner conseguiu montar, porém não conseguiu ridicularizar as duas atrizes. Mesmo com bastidores repletos de lendas urbanas, sobre embates entre Bette e Joan, o filme fez um sucesso inesperado e garantiu à Bette a sua última indicação ao Oscar. O filme deu um novo fôlego para as carreiras de Bette e Joan e o público acolheu as personagens e as atrizes, ao invés de ridicularizá-las.
Bette foi a primeira mulher a receber um prêmio pelo conjunto da obra do American Film Institute, além de ter sido a primeira pessoa a receber dez indicações da Academia nas categorias de atuação. Foi também a primeira mulher presidente da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Ao lado de John Garfield, fundou em 1942, a Hollywood Canteen, um clube para os militares que frequentavam Hollywood. A Hollywood Canteen, oferecia comida, música, dança e entretenimento para os soldados, durante a Segunda Guerra. Graças ao suporte de Bette, diversos atores e atrizes, entretinham soldados na cantina. Alguns atores e atrizes que se voluntariaram: Marlene Dietrich, Rita Hayworth, Ginger Rogers, Fred Astaire, Cary Grant, Charles Boyer, John Wayne e vários outros.
Na década de 70, ela participou de diversos filmes televisivos, além de voltar aos teatros. Foi uma das atrizes que mais lutaram por papéis após atingir a velhice. Décadas antes, chegou a colocar um anúncio em um jornal pedindo emprego. Nos anos 80, chegou a ser indicada duas vezes ao Emmy. Em 1981, foi homenageada por Kim Carnes na canção "Bette Davis Eyes". Dando uma pausa nos filmes televisivos, em 1987 estrelou o poético "As Baleias de Agosto" (The Whales of August), ao lado das lendas do cinema, Lillian Gish, Vincent Price e Ann Sothern.
Seu último filme, seria o desastroso "A Madrasta" (Wicked Stepmother) de 1989, filme que abandonou durante as gravações. Acabou falecendo aos 81 anos, no dia 6 de Outubro de 1989. Mesmo tantos anos após o seu falecimento, ela continua mais atual do que nunca, sendo apresentada às novas gerações, através de seus filmes e sendo considerada uma inspiração de vida, graças a sua trajetória na história do cinema. Em sua lápide está escrito "Ela fez do modo mais difícil". Se Bette tivesse feito do jeito mais fácil, não teria se tornado um dos maiores mitos do cinema.
q lindo! Uma lenda a nunca ser esquecida!
ResponderExcluirFaçam sobre Joan tbem
Oi Daniel. Obrigado pelo comentário.
ExcluirJá escrevi sobre Joan.
Dá uma olhada no blog.
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