AS MULHERES, O FEMINISMO E O CINEMA - AS DIRETORAS

Desde o início do cinema, elas estavam lá. Algumas dirigiam, outras produziam, enquanto outras eram donas de estúdios. De repente, elas se viram vitimas do machismo e da opressão. Foram substituídas por homens que lhe colocaram em cargos abaixo dos seus talentos. Umas se adaptaram a essa nova realidade, enquanto outras simplesmente desistiram. Outras seguiram lutando. E foi assim que as mulheres seguiram durante décadas no cinema, tanto americano, quanto mundial. Inicialmente, o cinema era visto como algo sem importância, não era levado a sério. Quando notaram que o cinema poderia ser rentável, os homens decidiram tomar o controle do império e rebaixaram as mulheres para cargos considerados "femininos" (maquiagem, figurino e etc.). A partir da década de 30, o número de mulheres em cargos importantes no cinema, caiu drasticamente. E foi assim por um bom tempo. Nos últimos anos, graças a força do movimento feminista, as mulheres retornaram aos poucos, aos cargos de liderança no ramo cinematográfico. Hoje, temos importantes diretoras, atrizes que produzem seus próprios filmes e mulheres que administram estúdios, mas mesmo assim os números não chegam perto do período em que o cinema nasceu.
Quando falamos do início do cinema, nos lembramos imediatamente dos irmãos Lumière, de Méliès, entre outros, mas Alice Guy Blaché, considerada a mãe do cinema, ficou esquecida durante anos. Seu primeiro filme é datado de 1896 e foi o primeiro filme do mundo com uma narrativa cinematográfica. Em 1906, ela produziu "The Life of Christ", considerada uma grande produção para época, pois ela usou cerca de 300 figurantes nas gravações. Foi pioneira nos efeitos especiais, nas colorizações dos negativos. Foi considerada como visionária, por usar negros em seus filmes, numa época bastante racista. Foi uma das primeiras (senão a primeira) mulheres a criar sua própria companhia cinematográfica. Após se divorciar de seu marido, responsável pelo seu declínio, Alice foi obrigada a leiloar seu estúdio, para quitar os maus investimentos do ex-marido. Após isso ela nunca mais dirigiria outro filme.

Após Blaché, o nome de Lois Weber é o mais lembrado, quando falamos da importância das mulheres no início do cinema. Além de diretora, foi atriz, produtora e roteirista. Chegou a ser comparada com Griffith, devido ao seu imenso talento. Em 1915, dirigiu "Hipócritas" (Hypocrites), primeiro filme a mostrar a nudez feminina, além de tocar em um tema bastante polêmico: religiões. No ano seguinte, produziria um filme falando sobre aborto e contracepção. Dirigiu também a primeira adaptação de Tarzan. Foi também a primeira mulher a criar e a administrar um estúdio. Na maioria das vezes, as mulheres deixavam o cargo de maior responsabilidade nas mãos dos maridos.

Charlie Chaplin é até hoje considerado o maior gênio do cinema. O que poucos sabem é que seus primeiros filmes foram dirigidos por Mabel Normand. Mabel era do time das mulheres que eram atrizes, diretoras e produtoras. Foi uma das atrizes mais populares do estúdio Keystone na década de 10 e criou seu próprio estúdio. Foi uma das primeiras parceiras de Chaplin, antes dele atingir o estrelato e dizem que graças a ela, Chaplin conseguiu superar as dificuldades de começo de carreira. 

Quando falamos sobre mulheres dirigindo filmes em Hollywood, o primeiro nome que lembramos é o de Ida Lupino, o que não deixa de ser verdade, porém antes dela havia Dorothy Arzner. Quem conhece as duas, costuma injustamente comparar os filmes e trajetórias de vida de ambas e sempre menosprezando Dorothy e enaltecendo Ida, porém as duas possuem igual importância, para o movimento feminista dentro de Hollywood. Dorothy começou sua carreira no cinema mudo ainda e trabalhava na edição de filmes. Ao ameaçar sair da Paramount, acabou sendo promovida a diretora, chegando a dirigir estrelas como Clara Bow. Dirigiu também o primeiro filme falado do estúdio. Quando o cinema transitou do silencioso para o falado, Dorothy começou a sentir as pressões do machismo. Foi a única mulher a dirigir filmes entre as décadas de 30 e 40 e sofreu constantes ataques machistas, causando passagens em diversos estúdios. Enfrentou Louis B. Mayer e Harry Cohn, dois notórios administradores de estúdios machistas. Acabou sendo demitida por Cohn e foi substituída por Charles Vidor, na direção de seu último filme. Passou anos dando aulas sobre cinema. Na década de 70, teve sua importância reconhecida e recebeu diversas homenagens, mas após sua morte, passou a ser esquecida, sendo resgatada e redescoberta após os anos 2000.

Ida Lupino era considerada uma atriz "rebelde" na Warner, ao lado de Bette Davis e Olivia de Havilland. Após ser suspensa, se interessou por dirigir filmes. Coletou informações de forma discreta e os homens lhe passavam informações, pois não sentiam-se ameaçados. Junto com o marido, abriu uma produtora e começou a dirigir filmes. Seus filmes na maioria das vezes, traziam a mulher no papel principal e tocavam em feridas da sociedade, como bigamia e estupro. Como era de se esperar, seus filmes passavam pela censura, mas nem sempre ganhavam uma distribuição decente e na maioria das vezes seus filmes mesmo bons, passavam despercebidos pelo público.  Cansada do boicote no cinema, retornou à sua carreira de atriz, mas também embarcou como diretora na televisão, que era um meio mais "tolerante" e chegou a dirigir episódios de séries bastante populares. Foi a primeira mulher a dirigir um filme noir, estilo de filme totalmente associado a homens.

Na década de 50, Agnès Varda, lança "La Point Courte", considerado o percursor da Nouvelle Vague, um importante movimento francês. Ironicamente, mesmo contribuindo para o nascimento do movimento, ela jamais foi incluída nele e quando falamos sobre esse movimento, os nomes mais populares são dos de Truffaut e Godard. Em 1985, produziria "Sem Teto, Nem Lei" (Sans toit ni loi), uma de suas obras-primas. Além de diretora, Varda é fotógrafa. E o feminismo sempre está presente em sua obra.

Věra Chytilová, foi uma das grandes pioneiras do cinema tcheco. Na década de 60, dirigiu "As Pequenas Margaridas" (Sedmikrásky), sua obra-prima que foi banida na Checoslováquia, pelo simples fato do filme ter imagens que mostram desperdício de comida, numa época pós-guerra.. O filme foi ovacionado na Itália, ganhando um prêmio em 1966. Após filmar "As Pequenas Margaridas", Chytilová enfrentou uma grande resistência em encontrar trabalho na Checoslováquia, sofrendo pressão do governo tcheco, sendo denunciada por não fazer parte dos ideais comunistas, criando uma nuvem de pessimismo em suas obras. Durante o resto de sua carreira, Chytilová sofreria censura do governo tcheco, mas acabou se tornando um ícone da resistência. "As Pequenas Margaridas", hoje é visto como um filme feminista, devido às críticas ativas em relação aos homens perante o sexo. 

Gilda (de) Abreu foi uma das diretoras mais importantes em nosso cinema, mesmo com uma carreira curta. Além de diretora, era cantora, escritora e radialista. "O Ébrio" de 1946, foi seu primeiro filme como diretora e foi um grande sucesso. O filme é uma adaptação teatral, que também foi dirigida por Gilda que foi responsável também em escrever a adaptação. Em 1949 dirigiu "Pinguinho de Gente" e encerrou sua carreira como diretora em "Coração Materno", em 1951, filme que foi um fracasso e lhe causou imensas decepções. Após se afastar das telas, Gilda se dedicou a escrever novelas radiofônicas e roteiros para filmes. Foi a terceira mulher a dirigir filmes em nosso país.

Kinuyo Tanaka, foi a segunda mulher japonesa a dirigir filmes, após Sakane Tazuko. Sua obra-prima é o filme "Carta de Amor" (Koibumi), seu primeiro filme, que chegou a concorrer em Cannes, em 1954. Ela dirigiu mais cinco filmes entre 1953 e 1962, mesmo sofrendo forte pressão para parar. Como atriz, atuou em mais de 200 filmes.

Durante os anos 70 e 80, as mulheres começaram aos poucos a retornar aos cargos de liderança que lhe foram usurpados nos primórdios do cinema. Com o movimento feminista mais forte do que nunca, foi possível mulheres como Barbra Streisand, Nora Ephron, Liliana Cavani, Margarethe Von Trotta, Sofia Coppolla, entre outras, dirigirem filmes nas décadas seguintes. Hoje, o número de mulheres dirigindo filmes, vêm aumentando aos poucos, mas mesmo assim não é um número alto comparado com o cinema mudo, onde a produtividade era muito maior e a participação das mulheres era bem mais ativa e frequente, mas as mulheres seguem lutando pelo seu espaço e por respeito na indústria cinematográfica.

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