Quando falamos sobre rivalidade entre atrizes, a rivalidade que mais lembramos é a entre Bette Davis e Joan Crawford, retratada na série "Feud". O que algumas pessoas não sabem é que antes de Joan Crawford, Bette Davis encontrou uma inimiga mais ardilosa e perigosa: Miriam Hopkins.
Infelizmente hoje, Miriam é lembrada apenas por dois motivos: por sua rivalidade com Bette e por causa também dos dois filmes que ambas fizeram (aos trancos e barracos), porém Miriam era uma atriz espetacular e um dos maiores nomes da era Pre-Code de Hollywood, era que foi dizimada com a chegada do código Hays e sua falsa moralidade, imposta aos filmes dali por diante.
Miriam chegou a trabalhar com os melhores diretores de sua época, mas foi com Ernst Lubitsch que Miriam se consagrou, estrelando filmes como "Ladrão de Alcova" (Trouble in Paradise), "Sócios do Amor" (Design for Living), este considerado um dos maiores filmes da era Pre-Code, e "O Tenente Sedutor" (The Smilling Lieutnant). Miriam chegou a trabalhar também com William Wyler, Rouben Mamoulian, entre outros consagrados diretores. Muitos atribuem o sucesso do Technicolor à Marlene Dietrich que estrelou "O Jardim de Allah" (The Garden of Allah) em 1936, mas o que poucos sabem é que Miriam Hopkins foi de fato a primeira atriz americana a aparecer em um filme de Technicolor, em 1935 no filme "Vaidade e Beleza" (Becky Sharp), filme que lhe deu sua única indicação ao Oscar, na categoria Melhor Atriz.
A rivalidade entre Bette e Miriam começou na década de 20, precisamente no ano de 1928, quando ambas faziam teatro e parte da mesma companhia, sendo lideradas por George Cukor. Nessa época a sorte era favorável à Miriam, que gozava de grande sucesso. Em 1931 Miriam entrou para o elenco de "O Médico e o Monstro" (Dr. Jekyll and Mr. Hyde) ao lado de Fredric March e sendo dirigida por Rouben Mamoulian. Mesmo sofrendo uma leve censura, principalmente sobre a personagem de Miriam, o filme foi um grande sucesso, fazendo Miriam entrar para o grande patamar. Nessa época Bette ainda amargava pequenos papéis na Universal. Sua sorte mudaria em 1934 ao interpretar Mildred em "Escravos do Desejo" (Of Human Bondage). Quando se tornou estrela de grandeza na Warner, foi lhe oferecido o papel de Julie no filme "Jezebel", papel que dizem ter sido um consolo por Bette perder o papel de Scarlet O'Hara. Porém quem detinha os direitos da peça era Miriam Hopkins, que a protagonizou no teatro. A peça protagonizada por Miriam foi um grande fracasso, mas isso não impediu de Jack Warner crescer os olhos na história e querer transformá-la em um filme e colocar a rainha absoluta do estúdio para protagonizá-la. O maior obstáculo para conseguir a liberação para transformar a peça em um roteiro cinematográfico era Miriam, que aceitou vendê-la sob a condição de ela ser a protagonista. Então Jack e os responsáveis pela negociação, fizeram Miriam acreditar que ela seria a protagonista, com isso Miriam vendeu os direitos, mas recebeu um duro golpe: descobriu que havia sido enganada e que Bette seria a estrela do filme. Logo após mais um outro golpe: Bette ganharia um Oscar pelo seu desempenho. Miriam havia perdido anos antes para Bette um Oscar: Miriam concorria por "Becky Sharp" e Bette por "Perigosa" (Dangerous), mais um fator que desencadearia uma corrente de ódio entre as duas.
Miriam também suspeitava que Bette havia tido um caso com o seu então marido Anatole Litvak em 1938, durante as gravações de "As Irmãs" (The Sisters), porém nessa época Bette estava emocionalmente envolvida com William Wyler que a dirigiu em "Jezebel". Segundo comentou-se, Bette e Litvak tiveram um caso durante as gravações de "Tudo Isto e o Céu Também" (All This and Heaven Too), mas nessa época o diretor já havia se separado de Miriam.
Durante o ano de 1938, Miriam percebendo que sua carreira começara a entrar em declínio, aceitou assinar um contrato para dois filmes com a Warner. O que ela não esperava era que em um desses dois filmes, ela seria a co-estrela de sua maior rival e inimiga. O filme em questão era "Eu Soube Amar" (The Old Maid) de 1939. A Warner montou um grande circo publicitário, inclusive chegou a divulgar fotos das duas atrizes usando luvas de boxe. Nesse filme, Miriam usa uma suavidade além do comum, no intuito de ofuscar o desempenho de Bette. Durante as gravações do filme, Bette e Miriam travaram um forte duelo de quem faltava mais às gravações. Por causa de todo o marketing sobre a rivalidade entre as duas, o filme foi um grande sucesso de bilheteria, mas nenhuma das duas receberam qualquer indicação ao Oscar.
Em 1943, ambas foram novamente escaladas para mais um filme: "Uma Velha Amizade" (Old Acquaintance). Dessa vez Miriam chegou a fazer várias exigências para estrelar o filme, uma delas era ter o salário maior que o de Bette. Miriam teve alguns de seus pedidos recusados e amargou novamente ter seu nome em segundo lugar nos créditos. Bette não ficou nada feliz em ter que dividir a cena novamente com sua maior rival, mas teve que dar o braço a torcer, pelo fato de Miriam ser a única atriz disponível, que teria a capacidade de interpretar a personagem "bitch". Os bastidores desse filme foram mais intensos, se comparados com "The Old Maid". Miriam estava disposta a derrubar Bette de todas as formas. Ao perceber que Bette estava compondo uma personagem séria e discreta, Miriam apelou para a caricatura: criou uma personagem extremamente escandalosa e agressiva. Quem não conhece outros filmes de Miriam, fica com a impressão de que ela era uma atriz extremamente exagerada, artificial e caricata, o que não é verdade. Miriam era uma atriz bastante intensa, mas não chegava ao caricaturismo. No primeiro dia de gravações, Miriam apareceu usando uma cópia do vestido que Bette usara anos antes em "Jezebel". Miriam estava ganhando mais que Bette, mas teve que engolir o fato de que a rainha do estúdio era Bette. Miriam usou diversas táticas para comprometer o desempenho de Bette Davis. Edmund Goulding que havia dirigido ambas em "The Old Maid", foi designado a dirigi-las novamente em "Old Acquaintance", mas a tensão foi tão grande, que ele acabou infartando durante as gravações sendo substituído por Vincent Sherman.
Muitas piadas surgiram sobre o infarto de Goulding, pelo fato dele não ter aguentado as tensões entre as duas estrelas. Sherman não gostava de Bette, pois ela sempre estava disposta a dar palpite em seu trabalho e isso o irritava. Sherman então decidiu encontrar apoio em Miriam, que viu nisso, uma grande oportunidade de derrubar sua rival. Vendo que não daria em nada, Miriam pouco fez pelo diretor e Sherman viu que não teria grande ajuda vinda da parte de Miriam. A maior sabotagem de Miriam, ocorreu no dia 11 de janeiro de 1943, em uma carta endereçada a Henry Blake, um dos produtores do filme. Na carta Miriam citava a briga entre Sherman e Davis e se colocava na posição de "neutralidade", além de se fazer de vítima e colocando Bette no papel de grande megera. A carta acabou não surtindo nenhum efeito e as tensões continuaram. Em um determinado dia Bette chegou a dizer para Miriam que ela estava interpretando como um cadáver. No dia seguinte Miriam foi trabalhar vestida de preto dos pés à cabeça. Miriam chegou a sofrer um pequeno acidente ao sair do banho e acusou Bette de sabotagem.
A vingança de Bette viria em uma cena que se tornou a mais famosa do filme: cansada dos ataques da personagem de Miriam, sua personagem a pega e a chacoalha, para em seguida jogá-la no sofá. Esse seria o grande momento para Bette se vingar da rival e todos no set estavam ansiosos para presenciar a cena. Até pessoas que faziam parte da equipe de outros filmes, foram presenciar a gravação. Miriam dificultou o quanto pôde o andamento da cena: ficava com o corpo mole demais, causando nervoso em Bette. A cena demorou uma tarde toda para ser filmada, mas mesmo assim não ficou boa, foi necessário o uso de um truque de montagem, para que a sequência ficasse próxima do planejado. Já no meio das gravações Bette conseguiu a simpatia de Sherman e junto dele promoviam alterações no roteiro, que deixavam Miriam histérica. Miriam e Bette faltaram em algumas ocasiões e somando com as alterações de roteiro, o filme sofreu um atraso de mais de 30 dias, causando a fúria de Jack Warner. Mesmo com gravações desgastantes e conflituosas, o filme foi um dos maiores sucessos do ano. Definitivamente todos queriam saber o resultado final daquela briga.
Após o final das gravações, Miriam voltou aos palcos e só retornaria aos filmes em 1949 em "Tarde Demais" (The Heiress). Nos anos seguintes Miriam teria poucos papéis de importância no cinema e acabou indo para a televisão onde conseguiu um pouco mais de destaque, chegando até a interpretar Norma Desmond em uma versão teatral televisiva de "Crepúsculo dos Deuses" (Sunset Blvd). Miriam faleceu em 9 de outubro de 1972 aos 69 anos, dias antes da data de seu aniversário. Bette chegou a declarar posteriormente em entrevistas, que Miriam foi a pessoa mais ardilosa que havia conhecido e trabalhado, "uma autêntica bitch (cadela)" chegou a dizer.
Norma Shearer no meio do fogo cruzado
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