O FEMINISMO E O CINEMA PARTE II

No ano passado, especificamente em março, postei um artigo citando algumas grandes atrizes que sempre lutaram por melhores condições de trabalho e que graças a esses grandes esforços, hoje em dia as mulheres dessa área, conseguiram grandes vitórias. Ainda falta muito, muito mesmo. Por isso hoje trago mais alguns exemplos de atrizes (salvo a exceção de Edith Head), que contribuíram para um grande avanço sobre os direitos das mulheres dentro e fora de Hollywood. E gostaria de dizer que a primeira parte, foi um dos textos que mais amei fazer, deu muito trabalho, mas o reconhecimento e a satisfação final foram enormes.

Louise Brooks
Conhecida pelo clássico "A Caixa de Pandora" (Die Büchse der Pandora), foi considerada um dos maiores símbolos sexuais dessa época, porém Louise não se deixava levar por esses rótulos e sempre brigava por grandes papéis e por direitos iguais aos seus colegas do sexo masculino, devido a isso, acabou levando a alcunha de ser uma atriz difícil e passou a ser perseguida e sabotada. Num dos seus atos de "rebeldia" contra a Paramount, ela fez as malas e embarcou para a Alemanha, onde estrelaria o filme que a imortalizaria: "A Caixa de Pandora". Quando retornou, se recusou a dublar um filme mudo seu, que seria transformado em sonoro. Com essa atitude, começou o declínio de sua carreira: os produtores espalharam que sua recusa devia ao fato de possuir uma voz estridente, tal boato acabou pegando e Louise acabou sendo posta de lado. Passou anos no ostracismo, chegando a trabalhar até como vendedora. Porém em 1955, voltou a ser resgatada, através de uma mostra sobre os 60 anos de cinema. Mesmo assim não houve nenhum convite para retornar ao cinema. Louise se dedicou então à escrita, uma coleção com  seus escritos chamada "Lulu em Hollywood", foi lançada apenas em 1982. Louise faleceria três anos depois, mas seu legado, seu corte de cabelo e sua luta por direitos iguais, ainda seguem em nossa cultura popular.

Lucille Ball
Já dediquei um Dicionário Retrô para Lucille Ball, porém nunca é demais falarmos sobre essa mulher que quebrou diversos paradigmas, seja em Hollywood, em sua vida particular ou na televisão, onde reinou absoluta, durante boa parte de sua carreira. Na década de 40, quase perdeu a oportunidade de estrelar "I Love Lucy", pelo fato dela americana, ser casada com Desi Arnaz, um cubano, pois os produtores do show temiam que o público não gostassem desse fator. Para provar que os produtores estavam errados, Lucille saiu em turnê com Desi e juntos fizeram um grande sucesso e provaram que o carisma estava acima de qualquer coisa. Durante a produção do programa, Lucille engravidou do seu primeiro filho e numa época em que as atrizes eram obrigadas a se afastarem do trabalho, por causa da gravidez, ou até mesmo recusarem bons papéis. Lucille quebrou um grande paradigma, ao sugerir que sua personagem também engravidasse. Assim Lucille foi a primeira atriz que conseguiu manter-se no oficio, do começo ao fim de sua gestação. Lucille também se tornou uma importante e forte empresária. Depois que se divorciou de Arnaz, continuou administrando a Desilu, sendo às vezes orientada pelo ex-marido. Além disso até hoje Lucille é considerada a maior comediante e a maior estrela de televisão de todos os tempos.

Miriam Hopkins
Precisamos e muito falar sobre ela. Hoje quase esquecida, ou lembrada apenas pelos dois filmes que fez com sua grande rival Bette Davis (Old Maid e Old Acquaintance), ou pelo seu gênio tempestuoso. Miriam Hopkins, foi uma das grandes atrizes da era Pre-Code (prometo que falarei dessa era aqui), onde os filmes podiam ter uma linguagem mais liberal. Com a instalação do código Hays, muita dessa magia Pre-Code se perdeu e alguns filmes tornaram-se hipócritas. Miriam teve sua primeira grande chance em "O Médico e o Monstro" (Dr. Jekyll and Mr. Hyde) de 1932, onde o código Hays já era conhecido, porém não tinha tanta força. Mas mesmo assim por interpretar uma prostituta, Miriam teve boa parte das suas cenas cortadas. Ao conhecer Ernst Lubitsch e estrelar alguns de seus filmes como "Trouble in Paradise" e "Design for Living", Miriam conseguiu fazer grande sucesso e ser um dos grandes nomes associados à era Pre-Code. Outro grande sucesso seu dessa época é "The Story of Temple Drake", que chocou o público devido a uma cena de estupro. Miriam foi também a primeira atriz americana a estrelar um filme em Technicolor de três tiras, isso em "Vaidade e Beleza" (Becky Sharp) de 1935, recebendo a sua única indicação ao Oscar.

Edith Head
É a única mulher dessa lista, que não é atriz, mas o que ela fez pela história do cinema, merece e muito ser mencionado aqui, inclusive também já falei dela aqui no blog. Numa época em que eram valorizados apenas os trabalhos de atores e diretores, Edith Head, conseguiu a proeza de chamar a atenção para o seu trabalho, usando as ferramentas do seu ofício. Mas para quem não sabe, quando Edith começou a trabalhar como desenhista e costureira, ela não sabia desenhar. Após ser contratada, Edith aprendeu a desenhar e também a deixar as atrizes darem sugestões sobre o que queriam vestir. Graças à essa empatia, Edith conseguiu cativar muitas atrizes e chegou a desenhar várias vezes para a mesma atriz como por exemplo Grace Kelly, Natalie Wood, Elizabeth Taylor, entre outras. Edith conseguiu a proeza de trabalhar diversas vezes para Hitchcock, pois ela era a única desenhista, que conseguia passar pro papel exatamente a ideia que Hitchcock tinha sobre o que os atores deveriam vestir. Edith foi indicada ao Oscar de Melhor Figurino por mais de 30 vezes. Ganhando 8.

Mae West
É outra atriz dessa lista, que contribuiu e muito para a história do cinema e que hoje é vagamente lembrada. Em 1926, Mae começaria sua onda de escândalos, ao escrever e protagonizar uma peça chamada "Sex". Com seu ar provocante e único, Mae,  conseguiu escandalizar a sociedade moralista e os jornalistas se negaram a dar publicidade para a peça. Mesmo assim a peça foi um sucesso e resistiu a mais de 300 apresentações, com direito à casa lotada, mas no final a peça foi suspensa e Mae passou oito dias presa, por "corromper a juventude". Mae foi também a responsável pela descoberta de Cary Grant, juntos atuaram em dois filmes. Mae escrevia e roteirizava seus próprios filmes, colocando sempre diálogos de duplo sentido, que mesmo não explícitos, chocavam (e excitavam) o público. Sempre que era anunciado um novo filme seu, uma onda de escândalo se instalava em Hollywood e pelo mundo afora. Em seus filmes, Mae sempre interpreta a mulher predadora, dona de si, com a sexualidade aflorada e exposta, que coloca os homens sob seus encantos e sempre os rebaixando. Algo até então inédito no cinema.

Anna Magnani
Assim como Bette Davis, Anna Magnani sempre sofreu com o estigma de não possuir uma beleza aceitável para os padrões. Porém assim como Bette, Anna possuía um talento esmagador e até hoje é considerada senão a maior, uma das maiores atrizes italianas de todos os tempos. Anna foi a primeira atriz estrangeira a ganhar um Oscar, pelo seu desempenho no filme "A Rosa Tatuada" (The Rose Tattoo). Estrelou também "Roma, Cidade Aberta" (Roma, Cittá Aperta), considerado o primeiro filme Neo-Realista Italiano,  sendo dirigida por Roberto Rossellini, com quem viveria um tumultuado relacionamento.

Vivien Leigh
Teve uma vida intensa e ao mesmo tempo trágica. Sempre foi uma mulher lutadora e decidida. Seu primeiro e mais famoso embate foi com Clark Gable e Victor Fleming nos bastidores de "E O Vento Levou" (Gone With the Wind). Vivien acusava Fleming de estar sempre protegendo e priorizando Gable. Além desse fator, Vivien estava também em uma desvantagem salarial: trabalhava mais que Gable e ganhava menos, mas no final essa batalha teve um saldo positivo: Vivien recebeu seu primeiro Oscar e imortalizaria Scarlett O'Hara. Quando conheceu Laurence Olivier, abandonou o seu marido e sua filha pequena, o que gerou um escândalo na época. Vivien chegou a declarar posteriormente que não estava preparada para ser mãe e por esse fator, sempre manteve um relacionamento frio e distante com sua filha. Com Laurence, Vivien teve sua carreira nos palcos florescida, assim como também sua fama de ser uma atriz difícil de lidar. Mas o que ninguém sabia até então era que Vivien sofria de transtorno bipolar, doença que a acompanhou até o fim de seus dias. Mesmo doente mentalmente, Vivien conseguiu seguir adiante com sua carreira e ainda ganhou um outro Oscar pelo seu desempenho em "A Streetcar Named Desire" (Um Bonde Chamado Desejo).

Lana Turner
Se teve uma mulher que não teve muita sorte no amor, foi Lana Turner. Depois de Elizabeth Taylor, Lana foi uma das mulheres que mais se divorciou, na era dourada de Hollywood. Teve em sua vida, homens abusivos, manipuladores e violentos. Inclusive há boatos de que um dos seus ex-maridos Lex Barker, estuprou sua única filha Cheryl. O maior desempenho de Lana Turner, ocorreu fora das telas. Quando sua filha Cheryl, assassinou Johnny Stompanato, um mafioso que mantinha um relacionamento abusivo com Lana, dizem que o depoimento de Lana foi uma das maiores performances da atriz e que se fosse possível, ela deveria ter ganho um Oscar por ele. Após essa onda de escândalos que quase arruinou sua carreira e culminou com sua filha indo para um reformatório, Lana Turner conseguiu dar a volta por cima ao aceitar o convite para filmar um remake de "Imitação da Vida" (Imitation of Life), que deu um novo fôlego para sua carreira. Porém mesmo com a carreira entrando novamente em ascensão, Lana acabou se tornando alcoólatra, vício que ela lutou por muitos anos e que após vencê-lo, tornou-se um dos maiores exemplos de superação e militância.

Kathleen Turner
Kathleen Turner, foi um dos maiores símbolos sexuais dos anos 80. Nos anos 90 se deparou com um grande dilema: a descoberta de que possuía artrite reumatoide, que impossibilitava muito dos seus movimentos. Kathleen então descobriu que as bebidas aliviavam um pouco as dores e começou a usar o álcool como refúgio para a dor. Durante anos Kathleen escondeu sua real condição, deixando que as pessoas a julgassem como uma bêbada. Com isso muitas portas lhe foram fechadas. Após pequenas participações em filmes e séries, Kathleen encontrou um grande refúgio no teatro, estrelando as peças "A Primeira Noite de um Homem" (The Graduate), "Gata em Teto de Zinco Quente" (Cat on a Hot Tin Roof). Mas o seu maior sucesso foi na adaptação de "Quem tem Medo de Virgínia Woolf" (Who's Affraid Virginia Woolf). Em 2008 publicou seu livro de memórias, onde fala sobre sua carreira, sua doença. É também uma das maiores militantes sobre a artrite reumatoide.

Dorothy Dandridge
Em uma época em que os negros ainda eram inferiorizados, Dorothy Dandridge, conseguiu grandes feitos, que contribuíram e muito para a diminuição do preconceito racial. Foi a primeira atriz negra a ser indicada ao Oscar na categoria de Melhor Atriz. Foi a primeira mulher negra a aparecer na capa da revista Life e a primeira a se apresentar no Waldorf-Astoria Hotel. Após um casamento abusivo e mal sucedido, Dorothy viu sua carreira e suas finanças arruinarem. Teve que internar sua filha com problemas mentais em uma instituição e levar uma vida mais modesta. Sem trabalho, ela acabou entrando em colapso e morreu ao tomar acidentalmente uma grande dose de remédios antidepressivos.

Grace Kelly
Uma das mulheres mais lindas que já habitaram nosso mundo, Grace Kelly é um dos exemplos de que beleza é apenas um complemento, que o mais importante é ter uma personalidade por trás de tudo. Conseguiu após muita luta, uma carreira de grande sucesso em Hollywood. Trabalhou com grandes atores, atrizes e diretores. Tinha uma má reputação, por ser uma mulher decidida e evoluída sexualmente (tinha fama de ser ninfomaníaca, pelo fato de dormir com a maioria dos astros que contracenava e pouco se importar com os comentários). Largou a carreira no ápice, para se tornar a Princesa de Mônaco. Quem pensa que Grace teve um final feliz de contos de fada, engana-se. Grace teve que trabalhar arduamente, para conquistar o respeito e admiração dos súditos e de alguns membros da realeza de Mônaco, que a viam apenas como uma usurpadora de um lugar importante da realeza. O respeito ela só conseguiu adquirir, quase no final da vida, mesmo tendo se dedicado bastante à sua função de Princesa e tendo feito muito pelo povo de Mônaco.

Lillian Gish
Lillian Gish foi uma das atrizes mais fantásticas e fabulosas da era muda do cinema. Carregava um rosto com aparência frágil, mas trazia consigo uma forte e grande personalidade, em uma época em que os estúdios controlavam a vida particular de seus astros e estrelas. Lillian vivia uma vida discreta e modesta, sempre longe de escândalos e fofocas. Foi também uma das poucas atrizes que se recusaram em se casar e ter filhos, algo que era considerado muito ousado e anormal na época.
Foi a primeira atriz a ser filmada em close-up (plano em que a câmera focaliza o rosto do ator ou atriz de perto), foi uma das poucas atrizes que a MGM deu controle quase que total sobre a produção de um filme. Com a chegada do cinema sonoro, Lillian deu uma afastada dos filmes e voltou para o teatro. Fazendo poucos filmes a partir de então, já que o público nessa época estava mais interessado nas "vamps" do que nas moças ingênuas que Lillian sempre interpretava nos tempos áureos.
Lillian retornaria aos filmes na década de 40, recebendo uma indicação ao Oscar, na categoria de Melhor atriz coadjuvante em "Duelo ao Sol" (Duel in the Sun), em 1946. Passou boa parte de sua carreira, fazendo filmes para a televisão. Sua última aparição nas telas foi no filme "Baleias de Agosto" (The Whales of August) em 1987, aos 93 anos de idade.

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